Nessa sexta-feira, 16 de novembro, João Mellão Neto, que já ocupou vários cargos na alta política nacional, subscreve um artigo com o título "Eu sou conservador" no caderno de opinião do jornal Estado de São Paulo. A dica me foi dada pelo colega Pedro Piza, que tem participado com comentários aqui no blog EU SOU Racional.
O artigo é oportuno para as questões que foram tratadas na nossa postagem sobre a reeleição de Barack Obama, e que voltaremos a tratar no futuro. Copio-o abaixo. Ao final do artigo faço um ligeiro mas oportuno comentário.
JOÃO MELLÃO NETO
Comento:
Mellão Neto reconhece que, por algum motivo, os conservadores no Brasil estão acanhados, desaparecidos, escondidos. Os motivos disso são obscuros. Eu tenho uma tese, e pretendo escrever sobre ela mais adiante. Acredito que haja uma confusão entre conservadorismo e regime militar. Pretendo desenvolver a idéia de que o regime militar não se demonstrou baseado em um pilar conservador, e que a tradição conservadora é antagônica à visão de governo dos militares. Se vocês tiverem lido com atenção o artigo de Mellão Neto, já poderão identificar pistas do porquê. Acredito também que os inimigos do conservadorismo foram bem sucedidos em criar uma idéia equivocada sobre ele, associando-o a práticas que são totalmente alheias aos princípios legítimos de um conservador. Mas enfim, tratarei dessa questão em outro momento.
Neto indica também que o conservadorismo está ressurgindo no país. Isso é verdadeiro: esse blog contribui, ainda que com uma parcela ínfima, com esse ressurgimento. As idéias conservadoras têm aparecido de forma honesta e legítima nas redes sociais, em certas publicações editoriais brasileiras, e em alguns (poucos) articulistas das grande imprensa. Felizmente.
Com relação ao artigo, se a mim coubesse a oportunidade, eu mudaria o final do texto. Ali o autor se refere a ecologia como uma proposta conservadora, por ser receosa do ser humano e de seu potencial destrutivo. Eu nunca havia pensado nesse sentido. Como citei na minha primeira postagem sobre o estatismo, acredito que várias bandeiras ecológicas são lastreadas pela mentalidade socialista. Porém, independente disso, eu teria aproveitado a chance para, ao invés de falar da ecologia, descrever como o conservadorismo não é sinônimo de passividade ou manutenção do status quo. O conservador não está feliz com o atual estado das coisas. O conservador não está satisfeito com "o que está aí". O conservador é igualmente perturbado pela miséria do mundo - quiça ainda mais que seus opositores políticos, tendo em vista os tempos progressistas que vivemos - pois tanto sua leitura da sociedade quanto das soluções que estão sendo postas em prática são negativas. Ele também é um ativista, mas que procura resolver as questões propostas com soluções baseadas na experiência humana e em um entendimento receoso da natureza do homem.
Nem todos que colaboram com o EU SOU racional são conservadores. Alguns são mais que outros. Mas por que conservadorismo é um tópico em um blog de cosmovisão cristã? Porque os cristãos precisam pensar sobre o mundo. Os cristãos precisam saber como ler o que está acontecendo na economia, na política, no governo, e ter certeza que o estão fazendo em harmonia com os princípios bíblicos. E é possível que o conservadorismo constitua uma saída para essa encruzilhada cristã.
Esse blog é um espaço de abertura e discussão. Por isso, pretendemos aqui destrinchar o conservadorismo, analisá-lo, discuti-lo sempre que possível. Como já dissemos, você é nosso convidado a comentar nossas postagens e participar da discussão.
O artigo é oportuno para as questões que foram tratadas na nossa postagem sobre a reeleição de Barack Obama, e que voltaremos a tratar no futuro. Copio-o abaixo. Ao final do artigo faço um ligeiro mas oportuno comentário.
Eu sou um conservador
Embora conservadorismo, na cabeça das pessoas, lembre mofo e bolor, a verdade é que o conservadorismo está voltando a ser levado a sério por aqui. E quais são as principais teses defendidas pelos conservadores?
A principal delas afirma que é muita pretensão a nossa de querer virar o mundo do avesso, ignorando toda a experiência, os ajustes e o processo de tentativas e erros obtidos em milênios de civilização. Tal abandono do passado pode ser útil no que tange às ciências exatas, mas revela-se quase sempre desastroso quando aplicado às ciências humanas. Na História humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca pela revolução. As grandes revoluções, como a francesa ou a russa, sempre foram muito eficientes na derrubada das instituições que já existiam, mas nunca souberam como pôr outras melhores em seu lugar.
Outra tese, dentre as principais, se resume numa frase proclamada por sir Isaac Newton (1643-1727): àqueles que lhe indagavam como conseguira formular a Teoria da Física Mecânica, respondia que nada fizera de mais, apenas "se debruçara sobre os ombros de gigantes". Queria o cientista inglês dizer que nada daquilo seria possível se não tivesse contado com o conhecimento acumulado por todos os que o precederam. Os conservadores também pensam dessa forma. A realidade tal qual a conhecemos é o produto de milênios de tentativas, erros e acertos. Sendo assim, é muito pouco provável que nós, modernos, venhamos a fazer alguma grande descoberta em termos de moral ou de política.
Filósofos de araque existem em profusão. Todos pregam mudanças radicais na natureza humana. E foram justamente eles - que prometiam a perfeição do homem e da sociedade - que transformaram grande parte do século passado num verdadeiro inferno terrestre.
O ceticismo quanto à perfeição humana é outro aspecto importante do pensamento conservador. Nós conseguimos realizar mudanças na natureza exterior. Já a natureza humana se tem mostrado praticamente imutável. O conservador não acredita que exista algum homem tão acima da média, tão isento de paixões e preconceitos que se possa com tranquilidade entregar-lhe um poder sem limites. Assim sendo, a melhor forma de governo é mesmo a democracia. Esta dispõe dos freios e contrapesos (checks and balances) necessários para refrear logo no nascedouro qualquer tentação totalitária. A sociedade possui anticorpos. E eles são acionados sempre que há exorbitância de poder.
O grande autor moderno do conservadorismo é Russell Kirk (1918-1994) e no passado foi Edmond Burke (1729-1797). Este último, além de ter sido o grande precursor dos princípios conservadores, notabilizou-se por ter escrito um livro intitulado Reflexões sobre a Revolução em França, no qual, ainda no calor dos acontecimentos, defende ardorosamente o sistema político inglês - de reformas graduais, em contraposição ao extremismo e às exorbitâncias que ocorriam do outro lado do Canal da Mancha. Depois que Luiz XVI foi guilhotinado, em 1792, Burke voltaria ao tema, argumentando que os franceses teriam cometido um erro político gravíssimo: "Vocês ainda haverão de se arrepender amargamente deste ato. Ao invés de fazer como a Inglaterra, que em 1688 promoveu todas as reformas necessárias pacificamente e ainda com a chancela real, vocês, franceses, acabam de proclamar oficialmente a sua orfandade. E viverão eternamente carentes de um rei". Os fatos demonstraram que Burke tinha razão. Depois de Luiz XVI, os franceses viriam a proclamar diversos reis e imperadores, sendo o mais importante deles Napoleão Bonaparte.
Nos dias de hoje, quem passa por cima do viaduto d'Alma, em Paris, encontra uma espécie de santuário onde muitos acendem velas e pedem milagres. Nesse mesmo local, uns 20 metros abaixo, num acidente de automóvel, morreu Lady Di. Diana Frances Spencer não era uma santa (longe disso), mas foi uma princesa. Seria mais um indício de que Burke tinha razão?
Voltando às principais teses conservadoras, um conservador de verdade não tolera o relativismo moral. Ainda no século passado, terríveis consequências sofreram os povos onde ocorreu um colapso da ordem moral, onde os cidadãos transigiram quanto a isso. A moral há de ser uma só, seja ela fruto de revelação divina ou tenha sido forjada pela convenção humana. Ela é o resultado de um arranjo costumeiro, cuja origem data de tempos imemoriais. E é ela que nos preserva do abismo.
O pensamento conservador, nos dias atuais, vem ganhando relevo justamente porque os recursos naturais estão se tornando exíguos. Três décadas atrás ninguém demonstrava a menor preocupação com esse tema. Agora ele ocupa o proscênio das preocupações humanas. O polêmico aquecimento global e o esgotamento de matérias-primas importantes põem na ordem do dia a necessidade premente de preservar. E preservar é a principal bandeira do pensamento conservador - que não cuida somente de instituições sociais, mas abrange tudo o que diz respeito à humanidade.
Quem imaginava ser a ecologia uma bandeira de esquerda percebe agora que não é. Foi o comunismo, aliás, o regime político que mais sacrificou a natureza. Tudo em nome do progresso, conceito que vem sendo cada vez mais questionado pela opinião pública esclarecida. Os adeptos mais exaltados do pensamento conservador não acreditam na existência de progresso algum. Eles defendem, sim, mudanças graduais.
Os principais países desenvolvidos têm, todos eles, partidos conservadores que disputam e vencem eleições. Por que será que só aqui, no Brasil, os conservadores relutam em se admitir como tal?
Se o problema é a falta de alguém que puxe o cordão, tudo bem. Eu me declaro um conservador. E não tenho por que ter vergonha disso.
Comento:
Mellão Neto reconhece que, por algum motivo, os conservadores no Brasil estão acanhados, desaparecidos, escondidos. Os motivos disso são obscuros. Eu tenho uma tese, e pretendo escrever sobre ela mais adiante. Acredito que haja uma confusão entre conservadorismo e regime militar. Pretendo desenvolver a idéia de que o regime militar não se demonstrou baseado em um pilar conservador, e que a tradição conservadora é antagônica à visão de governo dos militares. Se vocês tiverem lido com atenção o artigo de Mellão Neto, já poderão identificar pistas do porquê. Acredito também que os inimigos do conservadorismo foram bem sucedidos em criar uma idéia equivocada sobre ele, associando-o a práticas que são totalmente alheias aos princípios legítimos de um conservador. Mas enfim, tratarei dessa questão em outro momento.
Neto indica também que o conservadorismo está ressurgindo no país. Isso é verdadeiro: esse blog contribui, ainda que com uma parcela ínfima, com esse ressurgimento. As idéias conservadoras têm aparecido de forma honesta e legítima nas redes sociais, em certas publicações editoriais brasileiras, e em alguns (poucos) articulistas das grande imprensa. Felizmente.
Com relação ao artigo, se a mim coubesse a oportunidade, eu mudaria o final do texto. Ali o autor se refere a ecologia como uma proposta conservadora, por ser receosa do ser humano e de seu potencial destrutivo. Eu nunca havia pensado nesse sentido. Como citei na minha primeira postagem sobre o estatismo, acredito que várias bandeiras ecológicas são lastreadas pela mentalidade socialista. Porém, independente disso, eu teria aproveitado a chance para, ao invés de falar da ecologia, descrever como o conservadorismo não é sinônimo de passividade ou manutenção do status quo. O conservador não está feliz com o atual estado das coisas. O conservador não está satisfeito com "o que está aí". O conservador é igualmente perturbado pela miséria do mundo - quiça ainda mais que seus opositores políticos, tendo em vista os tempos progressistas que vivemos - pois tanto sua leitura da sociedade quanto das soluções que estão sendo postas em prática são negativas. Ele também é um ativista, mas que procura resolver as questões propostas com soluções baseadas na experiência humana e em um entendimento receoso da natureza do homem.
Nem todos que colaboram com o EU SOU racional são conservadores. Alguns são mais que outros. Mas por que conservadorismo é um tópico em um blog de cosmovisão cristã? Porque os cristãos precisam pensar sobre o mundo. Os cristãos precisam saber como ler o que está acontecendo na economia, na política, no governo, e ter certeza que o estão fazendo em harmonia com os princípios bíblicos. E é possível que o conservadorismo constitua uma saída para essa encruzilhada cristã.
Esse blog é um espaço de abertura e discussão. Por isso, pretendemos aqui destrinchar o conservadorismo, analisá-lo, discuti-lo sempre que possível. Como já dissemos, você é nosso convidado a comentar nossas postagens e participar da discussão.