segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Obama, Estatismo e Cristianismo


“O que sempre fez do Estado um inferno na terra é precisamente que o Homem tentou fazer dele seu céu.”

Friedrich Hölderlin

Obama edita um discurso no Oval Office da Casa Branca
Nesta semana os Estados Unidos escolheram Barack Obama para ocupar a Casa Branca, como fizeram também em 2008. Obama foi reeleito presidente, e, ao término de seu novo mandato – ou seja, em 2016 – os Democratas terão ocupado o Executivo por um total de 20 anos desde 1973. Os Republicanos, em contrapartida, sentaram-se no Oval Office por um total de 24 anos desde esse mesmo ano. Ronald Reagan, que governou de 1981 a 1988, é o mais lendário republicano a ocupar o posto: em plena Guerra Fria, venceu as eleições por 525 votos no Colégio Eleitoral (Obama conseguiu 303 nas eleições do dia 5), e é rememorado até hoje como um dos grandes gênios conservadores do país.

Mas, afinal, quem é Barack Obama? De que forma ele pensa a função do governo? Como ele governa? E por que boa parte dos cristãos sérios nos Estados Unidos votou em favor Mitt Romney, ao invés de Obama?

Será que nossos irmãos da América do Norte estão apenas ávidos por continuar comendo hambúrgueres, dirigindo SUVs em filas de Drive-through, usando bonés Ford e ouvindo música country? Ou será que, por detrás desses estereótipos cômicos que fazemos do modo de vida americano, na prática eles sabem o que estão fazendo ao votar nos republicanos?

Um breve voo sobre a mentalidade obamista deixará as coisas mais claras.

Pretendo trabalhar essa questão em três textos. Neste, o primeiro, faço uma introdução sobre a mentalidade política de Obama e falo brevemente o que penso sobre ela.  No segundo texto, mostro as práticas de Obama – inclusive desta última campanha eleitoral – e algumas das falácias e desvirtuações que julgo estarem presentes nesse tipo de política. E, em um terceiro texto, tratarei de questões mais profundas, contrapondo o pensamento político de Obama com a tradição política cristã e com a Bíblia.

*

No pensamento de Obama, a sociedade é palco de uma luta entre ricos e pobres. Quanto mais pessoas forem deixadas em paz para progredirem da forma como bem entenderem, mais a exploração se acentuará, tornando os ricos apenas mais ricos, e os pobres, mais miseráveis. A razão disso, Obama e sua escola nos dizem, é que os seres humanos, que são naturalmente bons, estão vivendo sob um sistema denominado capitalismo, um sistema injusto que privilegia os ricos em detrimento dos pobres. Um sistema exploratório engendrado para aumentar a riqueza de quem já tem de sobra.

Como ninguém faz um diagnóstico cruel da sociedade sem indicar o remédio, Obama, o Partido Democrata e os "liberals" americanos (nos EUA, liberal é um termo aplicado a quem é de esquerda) trazem uma receita debaixo de suas mangas: o Estado . O papel do governo é “consertar” os erros do sistema, protegendo os oprimidos, cobrando impostos dos mais ricos, distribuindo a riqueza, e contraindo empréstimos até não poder mais. Esses recursos intermináveis – dinheiro tirado à força dos cidadãos – é aplicado em uma miríade de investimentos públicos sem fim: burocracia, ministérios, departamentos, secretarias, ONGs... Os funcionários públicos, nesse tipo de ideologia, são como arquitetos: fechados em escritórios até altas horas da madrugada, ocupam-se de projetar, manipular e articular os caminhos de uma “sociedade justa e igualitária”, por mais abstrato e metafórico que essa expressão possa ser.

Esses arquitetos do governo, mestres da engenharia social, são pessoas que conseguem se libertar da alienação capitalista, conseguem ver além dos meros interesses pessoais, e, por isso, merecem o poder para engendrar uma sociedade da forma como eles entendem que ela deva ser.  Por isso eu disse acima: esse tipo de pensamento supõe que as pessoas sejam essencialemente boas mas estejam corrompidas por um sistema ruim. Se o ser humano fosse mal por natureza, é evidente que o governo não seria uma solução, pois seria composto pelos mesmos interesses nefastos que se manifestam nas elites econômicas, financeiras, e etc. Mas não é assim que funciona nesta ideologia. Os arquitetos sociais do governo merecem o poder, por estarem movidos pelas intenções puras e por um entendimento lúcido e correto de como a sociedade funciona.

Esta ideologia política, que assim entende a natureza humana e a natureza do governo, tem vários nomes (aqui no Brasil dizemos “esquerda”), mas, para evitar desentendimentos com algumas definições da ciência política, eu a chamarei nessas linhas de estatismo. E Obama é um estatista de primeira ordem.

O estatismo é uma forma de pensamento político herdeira do socialismo. O auge do socialismo na política econômica foi nos anos 30 e 40, mas minguou-se depois da II Guerra Mundial, quando, depois de duas guerras mundiais, duas bombas atômicas e uma série de genocídios em massa praticados por Estados, a descrença na benevolência do ser humano atingira níveis altos demais para utopias governamentais. Porém, hoje em dia, o defunto socialismo pulverizou-se e ressurgiu-se em uma série de ideologias menores, sutilmente diferentes entre si, mas muito presentes no pensamento político atual: o ecologismo, o populismo nacionalista latino-americano, o eurasianismo russo, o progressismo big government europeu (social democracia). Todos estes carregam, como que em pesadas carroças, a mesma antiga mentalidade, a mesma forma de compreender o mundo: aquela em que boas pessoas estão sendo pervertidas por um sistema econômico ruim. Aquela onde deve-se fortalecer um órgão neutro, imparcial e poderoso que tenha poder para consertar a sociedade e torná-la justa e apropriada. O aumento do poder ao Estado – mesmo com todas as dívidas públicas e atrasos econômicos que isso acarreta – é a ordem do dia do estatismo.

A questão, é claro, não é diagnosticar que a sociedade humana possui uma série de problemas e injustiças. Ela é problemática ao extremo, e todos os cristãos sabem disso. Entretanto, o Cristianismo não coloca a raiz do mal no sistema econômico, por mais capitalista que ele seja. A Bíblia é precisa em apontar a origem de nossos problemas sociais no coração de todo ser humano decaído pelo pecado. Portanto, nenhum governo é capaz de mudar isso. Não há Estado redentor, não há pessoas desinteressadas ocupando o Palácio do Planalto, não há Casa Branca que faça milagres. Não há um grupo de pessoas que, incumbidas de poder onisciente e onipresente, são capazes de construir uma sociedade plenamente justa e gerar igualdade total.

Uma vez que o problema está no homem, e não no sistema, dar a certos indivíduos o tipo de poder requisitado pelo estatismo é um grande equívoco.

Adam Smith, pai do liberalismo econômico clássico e cristão reformado, descreveu, com uma ironia que lhe é típica, o perigo do estatismo:

O homem de estado que se esforce para dirigir indivíduos na forma como devem aplicar seus capitais, estaria não só carregando a si mesmo de uma atenção muito desnecessária, mas assumindo uma autoridade que não pode ser confiada com segurança a nenhum conselho ou senado que seja, e que não seria tão perigosa em nenhum outro lugar quanto nas mãos de um homem que teve a loucura e a presunção de se julgar apto a realizar essa tarefa.

Afinal, o homem, em sua natureza decaída, é imutável. Isso o torna eternamente incapaz de sentar na cadeira de praia de sua casa de campo e projetar uma sociedade plenamente justa, como se fosse o redentor da humanidade, um ente capaz de distribuir justiça. Aliás, torná-lo um “arquiteto” de humanidades trará apenas mais coerção e autoritarismo, pois é impossível construir um edifício sem forçar as vigas em seus lugares, sem controlar as fundações e as pilastras. É impossível fazer da sociedade um laboratório de experiências sociais sem manusear seus elementos intrínsecos como se fossem beckers, tubos e frascos de vidro.

Mas Obama não concorda conosco!

(continua...)

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